"A Rainha Descalça" - Ildefonso Falcones

Ildefonso vai-nos lentamente introduzindo no que é o sentido individual de liberdade. A liberdade pode sermos representada de tantas formas quantas aqueles que dela necessitam para serem felizes. 

Uma das personagens é uma ex-escrava que vê a liberdade no silêncio das palavras e dos sentimentos que cala. A sua vida pode ser livre numa prisão se sentir que lá não é espancada porque já mais nada lhe podem tirar, tudo até agora lhe foi tirado e negado. A sua liberdade advém de um milagre que só dificilmente lhe trará a felicidade. A forma como se refugia das suas dores trás beleza ao seu sofrimento. O que será realmente a escravatura no séc XXI? Foi o pensamento que me acompanhou durante todo o livro, nestes tempos conturbados. 

Outra introdução que Ildefonso faz é ao mundo da etnia cigana, também muito falada nos dias que correm. Confesso que foi mais por causa disso que comprei o ebook. Queria, de forma suave, aprender mais sobre esta etnia e sabendo como Ildefonso escreve achei que seria uma boa introdução para o tema. 

Os ciganos estão muito pouco predispostos a mudar as suas crenças, são orgulhos e irreverentes. Têm tradições que sobrevivem á séculos e séculos e não as pretendem alterar. As alterações que têm feito ao longo dos tempos são dissimuladas porque procuram só o fim que lhes aprovem, o de conseguirem safar-se. São um povo apaixonado por essas tradições, algumas bem interessantes mas essa paixão trava-lhes a visão até á morte porque nascem assim e é assim que tem de ser.

Neste livro Ildefonso dá-lhes um caracter muito humano porque o são e leva-nos até a defender as suas convicções mas pensando bem nisso, essas convicções não são parte da cultura do nosso século e já não o eram noutros séculos e isso só lhes trouxe problemas. São um povo perseguido não porque querem viver das suas tradições mas porque das suas tradições faz parte o roubo, o engano, a preguiça, a desordem, a mentira. No livro não têm vergonha de o admitir.

O livro chega a ser violento porque retrata a comunidade Espanhola da altura com os seus preconceitos que são transversais a toda a sociedade independentemente da classe social ou etnia. Seja cigano ou branco, ateu ou plebeu, rico ou pobre, nobre ou clero todos são preconceituosos uns com os outros e entre si.

O livro retrata tudo desde o amor, a resistência, a falsidade, as prisões, as violações, a força, a amizade, a tristeza. Nesse aspeto é um livro extremamente completo mas ás vezes os detalhes minuciosos cansam. São compreensíveis para podermos entrar emocionalmente na profundeza melancólica da história mas algumas vezes são exagerados.

Cada personagem paga o seu preço por cada escolha que faz e emociona-nos a forma crua como a realidade das suas escolhas é escrita. A história de Espanha não é o meu forte e não é do meu interesse mas Ildefonso através da sua escrita tem-me dado a conhecer as realidades do Mundo através das histórias e sentimentos dos personagens e este livro é o perfeito exemplo disso porque é duro, seco e cru. 

É a realidade do povo cigano que nunca mudou e nunca vai mudar. Têm uma enorme capacidade de adaptação mas não de assimilação, o que sempre foi incompatível com todas as sociedades e muito mais na sociedade de hoje em dia, porque tal como ele dizem: 

- Liberdade de trabalhar segundo o seu próprio desejo e proveito.

- Ninguém é de ninguém e tudo é de todos.

"Nós, os ciganos, sempre fomos livres. Todos os reis e príncipes de todos os lugares do mundo pretendem dobrar-nos e nunca o conseguiram. Jamais poderão com nossa raça; Estamos melhor do que todos eles, mais inteligentes. Necessitamos de pouco. Tomamos o que nos convém: o que o criador pôs neste mundo não é propriedade de ninguém, os frutos da terra pertencem a todos os homens, e, se não gostarmos de um lugar, vamos para outro. Nada nem ninguém nos amarra. (…). Assim é que sempre vivemos."





Comentários