Klara e o Sol de Kazuo Ishiguro

Para mim é um livro sem grandes histórias mas controverso.

Por um lado adorei a parte objectiva de Klara que faz dela uma máquina emocionalmente desenvolvida que toma decisões em prol do bem comum e conciliadora. Por outro lado sou completamente contra a posição que a Inteligência Artificial tem vindo a tomar nas nossas vidas, no sentido negativo.

Não sou contra toda a Inteligência Artificial mas contra muitas das aplicações que lhe são dadas. Tomo como exemplo a personagem do Rick, um bom rapaz e inteligente que inventa um mecanismo tecnicamente questionável devido á forma como pode ser intrussivo na vida das pessoas, se for usado de determinada maneira. Ele sabe disso mas não lhe compete decidir o uso que será dado á sua invenção, só lhe compete inventar.

Os momentos que vivemos vieram aprofundar as minhas dúvidas em relação á AI e até desejar muitas vezes um apagão mundial a nível de internet ou a invenção duma outra NET para que tudo se confunda, disperse, não seja rastreavel. O desejo de controle que está a ser imposto pelo embuste do vírus, através de homens perversos, faz com que o tempo deva parar, para o bem da humanidade.

Aquela postura entre os elevados e os outros faz-me lembrar o actual vacinados e os outros. 

Sou incapaz de ler livros sem os sentir, sem entrar nas folhas vivendo as suas letras e por isso quase sempre os posiciono na minha vida e nos momentos do mundo. É-me impossível não passar os capítulos sem os situar nos capítulos do Mundo e sem os compartimentar nas minhas caixinhas de emoções, por isso em determinadas alturas senti horror.

É um livro de escrita simples, talvez até básico demais para um Prémio Nobel mas torna-se emocionalmente complexo devido ao envolvimento das criações tecnológicas com as emoções humanas.

O final é triste e cru porque estamos apaixonados pelo absurdo. É doloroso o abandono humano e o autor ao quase  humanizar Klara, que na sua visão ingénua do Mundo aceita a sua situação e a sua inutilidade, acabou por lhe dar o propósito final de ser sucata. Não chegou a velha, foi ultrapassada por novas tecnologias e deixou de ser inútil. 


Toda a trama das crianças superiores e solitárias para as quais são criados amigos artificiais cuja tecnologia cada vez mais os aproxima de coisas capazes de curar essa solidão assustam-me e deixa-me aterrorizada. O que aconteceu agora, em 2020, com grande parte das crianças? É realmente isso que queremos para as nossas crianças? É a vida de Jodie só com aulas on line e uma amiga robot o que pretendemos para o futuro?

Esta tentativa de vacinação mundial faz-me em tudo lembrar a criação dos superiores do livro porque também existem muitas incógnitas. A criação das crianças superiores já matou a irmã de Josie mas a mãe, para se sentir integrada na sociedade, mesmo sabendo que Josie também pode morrer, faz o mesmo a Josie. Tem dúvidas mas como a integração na sociedade é o mais importante, dá-lhe acesso a estatuto e riqueza aceita modificar geneticamente mais uma filha, diz que é para o bem do futuro dela. 

O verdadeiro motivo pelo qual Klara entra na vida desta família é absolutamente nojento e o autor normaliza essa nojeira, tal como normaliza o abandono de Klara, o que o torna ainda mais chocante dada a importância que supostamente a Klara teria na vida desta família. 

O sistema de classes criado é puramente racista e elitista tanto dentro como fora do mundo habitado por Klara, só que no Mundo do Pai é por opção, no Mundo de Klara, Josie e as outras crianças não têm opção, alguém decide por elas em nome de algo material. É como a vacinação agora.

Existe uma imposição directa e indirecta, dando ou tirando vantagens económicas ou sociais a quem é e não é vacinado. Tanto as crianças do livro, que são geneticamente modificadas, sem se saber as consequências para a sua saúde como os vacinados têm algo em comum: a incerteza do futuro. Todos os outros que não aceitam também e todos estes mundos vivem compartimentados em lutas interiores, separados por algo que os une.

O livro é concebido com ideias básicas sobre o vislumbre de um futuro eventualmente próximo se o comportamento do ser humano não sofrer profundas alterações.



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